Seminário debate vivências e segurança da população em situação de rua

“É preciso ser um herói para enfrentar a moral da sua época”, disse certa vez o filósofo Michel Foucault. Os pensamentos do professor francês abordam o controle social e o sentimento de intolerância ao longo da história e ainda latentes no cenário contemporâneo. O famoso historiador das ideias foi lembrado pelo defensor público Mário Silveira Rosa Rheingantz, especialista em Ciências Penais, durante a mesa sobre Segurança Pública do evento “Olha pra Rua: 2º Seminário sobre População em Situação de Rua” na tarde de quarta-feira, dia 28, no auditório bastante concorrido do Prédio Azul do Câmpus 2 da Feevale. O advogado destacou em sua explanação o atendimento, sob a óptica da justiça social, para a população considerada a mais vulnerável de todas e exemplificou as suas ideias. “O poder só pode ser exercido dentro das normas legais e constitucionais”, reforçou. “Portanto, em regra, só pode haver interferência no domicílio, e eu me refiro inclusive ao espaço físico que a pessoa ocupa na rua, com ordem judicial.”
O encontro “Olha pra Rua” foi realizado pelo projeto social Da Rua Para’Noia, da Universidade Feevale, com apoio da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS), da Prefeitura de Novo Hamburgo. Na mesma mesa de Rheingantz estavam o diretor da Guarda Municipal de Novo Hamburgo, Ulisses José da Silva, que é graduado em Direito, e o inspetor-chefe de Ensino da GM, Alexandre Henrique de Almeida, formado em Psicologia.
Também fez parte do debate o cientista social, professor universitário e empresário Charles Kieling, especialista em Segurança Pública e consultor da Secretaria de Segurança de Novo Hamburgo. E, como mediador, o professor universitário Renato Selayaram, que integra o grupo docente do projeto social Da Rua Para’Noia.
Entre outras responsabilidades, a Guarda Municipal tem papel de zeladoria urbana e, conforme Ulisses, o trabalho com as pessoas em situação de rua tem perfil técnico dentro das atribuições da segurança pública. Em Novo Hamburgo, a GM conta com ouvidoria e corregedoria desde 2006, que são órgãos permanentes, autônomos e independentes. “A Guarda procura atuar de forma cada vez mais humanizada, com respeito às liberdades públicas e os direitos individuais”, completou Almeida ao microfone.
Para o consultor Kieling, Novo Hamburgo está sendo pensada de uma maneira diferente a partir da busca por integralidade entre o conhecimento social e a segurança pública. “Muita gente considera que não há tempo a perder, que a solução deve ser imediata, mas precisamos abrir as nossas mentes para nos transformarmos, pois em algum momento aquela certa pessoa cruzará o nosso caminho e não será por acaso”, disse a fim de provocar a reflexão da plateia.
Autonomia para vencer desafios
A abertura do simpósio contou com as presenças do pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão da Feevale, João Alcione Sganderla Figueiredo, e do secretário de Desenvolvimento Social, Roberto Daniel Bota, representando a prefeita Fátima Daudt. “Precisamos de autonomia para viver em um mundo melhor”, disse o pró-retiro na apresentação da tarde.
Na oportunidade, Daniel Bota reforçou o entendimento de que olhar para a rua é tão relevante quanto manter a visão voltada para dentro dos serviços de atenção e proteção básicas. “Estamos aqui para ouvir e debater questões referentes ao tema e sua complexidade, que precisam andar ainda mais alinhadas em tempos de redução de repasses por parte do governo federal no que se refere à aplicação das políticas socioassistenciais”, contextualizou.
O evento “Olha pra Rua” também contou com interferências artísticas de dois músicos em situação de rua. Jackson e Juliano, como se identificaram aos presentes no auditório, formaram o dueto que agradou em cheio ao público. No intervalo, o destaque do coffee break ficou a cargo da Horta Comunitária Joanna De Angelis, que ofereceu degustação de suas geleias artesanais.
Também estavam presentes no seminário o secretário de Segurança de Novo Hamburgo, general Roberto Jungthon, e o coordenador do Centro POP, o assistente social Maike Luiz de Mello.
Construção coletiva
A mesa sobre Vivências e Possibilidades da População em situação de Rua foi mediada pela coordenadora do projeto social da universidade hamburguense, a pesquisadora e psicóloga Carmem Giongo, ao lado da assessora do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul, a advogada Gabriela Lorenzet, que inseriu a sua interação a transversalidade das políticas públicas como forma de promoção e efetivação do exercício da cidadania.
A mesma roda de conversa contou com a participação do coordenador do Comitê POP Rua de Novo Hamburgo, o educador social Roni Antônio Gomes, que considerou importante comentar sobre um depoimento espontâneo vindo do fundo do auditório em certo momento. “Nós, que atuamos no Centro POP, entendemos a condição da dependência química como questão de saúde pública e que usar drogas não é uma particularidade da pessoa em situação de rua”, observou Roni. Ele também lembrou que 2019 marca os dez anos da aprovação do decreto que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e, neste ano, também faz uma década da primeira abordagem social realizada em Novo Hamburgo.
Pessoas em situação de rua, integrantes da primeira roda de conversa, Nelson Escobar e Ana Paula Kuhn também participaram ativamente da edição número 1 do Jornal Vozes da Rua, apresentado durante o seminário. Para Escobar, identificado pelos orientadores do projeto como editor-chefe da publicação, o impresso torna visível as experiências e as histórias de vida de “gente como a gente”. “Quero destacar o relato do casal que vive um amor nas ruas e a matéria sobre o Consultório na Rua”, observou. Conhecido pela sigla CR, o Consultório na Rua é uma parceria entre o Centro POP, vinculado à SDS, e a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), que visa a garantir o acesso, o acolhimento e o atendimento a quem está na rua e dentro das políticas de atenção básica de ambas as pastas. Já Ana destacou em sua fala a vulnerabilidade das mulheres na rua e que todas necessitam de informações sobre saúde feminina.
O evento “Olha pra Rua: 2º Seminário sobre População em Situação de Rua” teve representantes da população de rua, acadêmicos, servidores públicos, profissionais liberais e interessados no tema como público-alvo da iniciativa.